Renunciar a violência para mostrar a boa vontade

(Foto: Ragnar Jensen – ragnar1984/Flickr)

<<Oscar Arias Sánchez*>>

Por mais desolador que pareça, o relato de nossa espécie tem sido escrito com ênfase na violência. Temos medido o passar dos anos com o calendário da força. Pouco são os episódios de conciliação entre todos os seres humanos. Poucas são as épocas de harmonia e fraternidade. No vasto repertório das vivências humanas, raras vezes temos permitido uma oportunidade para a paz duradoura.

A história humana pode ser lida como a tensão entre duas forças, entre o poder dos falcões e das pombas da política. Ao ritmo desse pêndulo temos escrito as passagens mais cruciais da nossa vida coletiva. Há 25 anos, esse pêndulo se inclinou do lado da paz na América Central e pôs fim a 30 anos de enfrentamentos bélicos.

Que características distinguiram nossa história da de tantos outros que também sofrem a dor de um conflito armado? Quanto influenciou o contexto, o momento, os atores ou a sorte na produção do resultado? As circunstâncias que antecederam a assinatura do Plano de Paz são bem conhecidas. Os números de mortos e feridos, desajustados e desaparecidos, povoam as prateleiras das bibliotecas. Mas, há tanto que os dados não coletam! Tanto que desaparece da contagem oficial! Há algo intangível na dor de uma guerra, algo que envenena o ar com a angústia e a consciência insuportável da morte.

O Plano de Paz nasceu no meio deste novelo de frustrações, após o fracasso final dos processos de mediação de alguns governos latino-americanos. Nossas probabilidades de êxito têm a ver com o que, com quem, quando e em que condições o assinamos.

O que assinamos? O Plano de Paz é um documento curto e preciso. Tem como único propósito alcançar a paz e a democracia na região, e não se detém aos detalhes operacionais. Quando existem várias partes em uma negociação, com interesses distintos e frequentemente contraditórios, é vital definir a meta e reduzir o ruído, porque cada parte representa suas contrapropostas e pretende implementar a sua própria agenda.

O grande mérito do Plano de Paz não foi ter sido um documento ideal, e sim ter sido um documento possível, que garantia sua própria sobrevivência ao exigir que as nações celebrassem eleições livres, aperfeiçoando suas instituições democráticas.

Quem assinou? A pesar da pressão de Washington para excluir a Nicarágua das negociações, o Plano de Paz incluiu desde seu princípio o governo de Managua, porque não é possível conduzir uma negociação bem sucedida se não se encontrarem presentes os legítimos interlocutores de um conflito; assim, foi assinado por todos os governos centro-americanos.

Enfrentamos enormes pressões por parte do governo do presidente Ronald Reagan e dos regimes de Mijaíl Gorbachov e Fidel Castro. Porém, defendemos nossa vontade. Não somente porque era nossa, mas porque nenhuma guerra ideológica justifica a morte de pessoas inocentes. Unicamente os signatários decidimos a paz, porque, enquanto um líder deve rodear-se de opiniões, deve escutar argumentos e estudar a crítica, ao final do dia deve decidir em exclusivo com sua consciência.

Quando assinamos? Ao apresentar meu Plano de Paz aos presidentes centro-americanos, compreendi que o tempo corria contra nós. As potências mundiais pressionavam por redobrar a presença militar, enquanto a paciência internacional se esgotava, produto da frustração e desgaste. Ao reunirmos na cidade de Guatemala, em agosto de 87, de alguma maneira entendemos que aquela seria nossa única oportunidade. Saber isto, sentir que a vida de milhões de centro-americanos estava atada ao desígnio de umas poucas horas, nos deu a força que necessitávamos. Desde o momento em que apresentei o Plano de Paz, até o dia em que assinamos, transcorreu pouco mais de meio ano. Por ter dado tempo ao diálogo, talvez pudéssemos terminar rendidos.

A lógica do Plano de Paz era exigir o cessar fogo como condição para dialogar. Renunciar a violência para demonstrar boa vontade. Assim, firmamos um acordo que transformou a vida de milhões de seres humanos. Oxalá os líderes do mundo se atrevam a renunciar a violência como ficha do jogo. Quem sabe se surpreendam da autoridade que tem a palavra desarmada. Quem sabe se assombrem em saber o quanto pode fazer uma pessoa quando tem do seu lado nada mais do que a razão e a verdade.

“A história é um pesadelo do qual tento acordar”, dizia o herói de Ulisses de James Joyce. Durante muitos anos, a humanidade tem tentado levantar-se de um pesadelo de guerra. A violência que alimentou os mitos e inspirou epopeias segue ditando a saga do mundo. Prontamente e com muita frequência, baixamos os braços, miramos e damos a ordem de fogo. Todavia, não há escrito um destino de dor para o homem. Nada há ditado, ainda, para as páginas futuras desta descendência deslumbrante, que até então em meio as armas, é capaz de amar e perdoar, capaz de construir e imaginar.

Os últimos 25 anos na América Central tem sido um instante de quietude, um momento em silêncio à beira-mar. Mas por este momento, por essa quietude, vale a pena viver e lutar. Por fazer da paz a opção principal. Por fazer do diálogo a única saída. Por fazer dos próximos séculos, o final do contínuo pesadelo.

 

* Ex-presidente da Costa Rica 1986-1990/2006-2010 e Prêmio Nobel da Paz 1987

(Texto publicado originalmente em IPS, tradução Diálogos do Sul)